Os (DES)caminhos da Terceirização

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A parcial sanção presidencial ao texto do Projeto de Lei nº 4.302/1998, ocorrida em 31 de março de 2017, tornando-se a Lei nº 13.429/2017, a qual alterou e inseriu dispositivos na Lei nº 6.019/1974, que trata sobre o trabalho temporário em empresas urbanas e dispõe sobre as relações de trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros, trouxe ao cenário nacional debates acirrados sobre o alcance e aplicação da norma, sobretudo porque, para alguns operadores do direito, ao passo que a novel legislação reconheceu possível a efetivação da terceirização ampla e irrestrita, não trouxe, em paralelo, efetivas e compensatórias garantias aos trabalhadores alcançados.

Em breve introito, o debate sobre a terceirização não é novo e a regulamentação dessa figura é embate jurídico que se trava há anos nas salas do Congresso Nacional, sendo seu principal expoente o Projeto de Lei nº 4.330, de autoria do deputado Sandro Mabel (PL/GO), apresentado em 26/10/2004. Aprovado na Câmara dos Deputados, atualmente o projeto aguarda apreciação pelo Senado Federal, sob a denominação de PLC 30/2015.

Não obstante o debate do tema pelo Senado Federal, forças políticas movimentaram a regulamentação da terceirização com a incorporação das medidas às alterações propostas à Lei nº 6.019/1974, que se tornou o Projeto de Lei 4.302/1998, desarquivado e recolocado em discussão, na pauta da Câmara, cujo objetivo primeiro versava somente sobre o trabalho temporário.

A forma açodada, assim referida por muitos, com que foi tratada a terceirização trouxe verdadeira enxurrada de críticas, principalmente pelas Centrais Sindicais, as quais consideram o tema de extrema complexidade e julgam que a regulamentação da terceirização deveria ser tratada em lei específica, com amplo debate social, pois seus atuais impactos são de extrema gravidade.

No entanto, o que se percebe no Brasil, é que até a edição da Lei nº 13.429/2017 o tema terceirização transitava em um verdadeiro limbo jurídico, com divergentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, porquanto não havia qualquer legislação que regulamentasse ou mesmo vedasse a terceirização de serviços, específicos ou não. Esta é a expressão latente do princípio constitucional da legalidade, entendida no âmbito privado como aquilo que não é proibido é permitido.

Havia, apenas, o mero entendimento jurisprudencial que se consolidou no Tribunal Superior do Trabalho por meio da Súmula nº 331, a qual reconhecia a ilicitude da terceirização da atividade-fim, sem, no entanto, utilizar conceitos concretos para distingui-la da atividade-meio.

Sem adentrar ao mérito da possível invasão de competência na célebre teoria da separação dos poderes, é fato que o “ativismo judicial” adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho ao editar o citado verbete sumular, foi uma atitude, ou melhor, uma escolha arriscada. O Tribunal, com todo respeito, fez naquele momento, uma interpretação específica e proativa da Constituição, expandindo seu sentido e seu alcance, sobretudo porque as decisões judiciais que se seguiram adotaram, por vezes, os primados constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho, aliados a culpa in eligendo e culpa in vigilando, para reconhecer presente, em absolutamente qualquer trabalho prestado por outrem em benefício da contratante, a figura da terceirização.

Inegável que este viés interpretativo trazia enorme insegurança jurídica às empresas, e também aos advogados, pois não havia certeza nos contratos, já que em praticamente todos havia o risco do temido fantasma da terceirização e das consequências advindas do reconhecimento judicial.

Doravante, com o advento da Lei nº 13.429/2017, o cenário aparenta mudanças, das quais aquela que se mostra mais urgente é a necessária releitura da Súmula nº 331, porque em aparente dissonância com a norma que disciplina a situação. Mostra-se evidente colisão entre norma e entendimento jurisprudencial.

Terceirização é fenômeno mundial e não é crível o discurso daqueles que não apoiam a modernização das relações de trabalho com argumentos de desvantagens e precarização dos trabalhadores terceirizados.

Não é de hoje que quando se busca a modernização e adequação das normas à realidade social surjam defensores dessa ou daquela classe. Entretanto, o debate é sadio e a realidade mutável, devendo a legislação acompanhar a natural evolução social.

O Estado não pode fugir de seu papel social, e deve fiscalizar o cumprimento das normas. Longe de defender a intervenção mínima do Estado, o cerne da controvérsia reside no limite dessa intervenção, a qual deverá existir em conjunto com meios efetivos de conquista de direitos pelas classes trabalhadoras, deixando a dinamicidade das diversas formas de prestação de trabalho livres para a negociação.

Enfim, deixemos, pois, que cada Poder Constituído cumpra seu papel social, sem interferências externas.

O artigo a seguir é de autoria do Dr.Gustavo Guevara Malvestiti, da Maran, Gehlen & Advogados Associados de Curitiba, PR, com filiais em Cascavel e Guarapuava.

Gustavo Guevara Malvestiti

Maran, Gehlen & Advogados Associados

www.marangehlen.adv.br

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