O assunto em pauta está em voga no atual cenário que se encontra o país e tem sido muito discutido por juristas de diversas áreas e, como não poderia ser diferente, também é objeto de preocupação e de enfrentamento por executivos que comumente deliberam sobre diversos assuntos e dão o seu de acordo sobre operações institucionais que são realizadas por diversos setores de suas empresas.
Assim, hoje em dia se verifica uma busca verdadeira da melhor estratégia preventiva, objetivando evitar indesejadas responsabilizações personificadas com base nas operações realizadas nas empresas, situações que, naturalmente, são ainda mais potencializadas face às diversas operações da polícia que são divulgadas diariamente nos meios midiáticos
Para melhor entendimento, porém sem qualquer intenção de esgotar o assunto, é necessário destacar alguns pontos acerca do Instituto da Responsabilidade Penal, o qual delimita e regula o quanto e quem pode responder por um crime, como por exemplo o de corrupção ou mesmo um delito contra o sistema financeiro.
Quando da ocorrência de um determinado crime, a Autoridade Policial que preside as investigações busca constatar a materialidade delitiva, ou seja, se de fato houve um ilícito penal, bem como a autoria delitiva, que consiste em verificar quem praticou o crime, quer por ação quer por omissão.
No tocante aos crimes “simples”, com “modus operandi” menos complexos (como, por exemplo, estelionato, furto, receptação) delimitar quem foi o autor do delito acaba sendo, em regra, de fácil compreensão, pois o contexto em que o crime foi praticado, a quantidade reduzida de agentes envolvidos e a facilidade na colheita de provas, direcionam, muitas vezes, diretamente ao autor do delito.
Contudo, verifica-se que, atualmente, determinados crimes – denominados crimes funcionais – ocorrem por meio de operações financeiras complexas, em meio a estruturas de grandes pessoas jurídicas e com diversos agentes que contribuem, ou que poderiam evitar, a prática delitiva, fato que dificulta a indicação dos indivíduos que de fato praticaram ou participaram efetivamente do ilícito penal.
Isso normalmente, como se pode observar no atual cenário do país, ocorre nos delitos contra o sistema financeiro, casos de corrupção, lavagem de dinheiro etc.
Logo, para aferir quem de fato contribuiu para a prática delitiva, se faz necessário constatar uma ligação entre o fato criminoso e o suposto autor, ou seja, uma responsabilidade subjetiva (pessoal) para com o resultado do crime.
Ou seja, em nosso ordenamento jurídico, em regra[1], é vedada a atribuição de responsabilidade penal de forma objetiva, que consistiria no agente responder pela pratica delitiva, ainda que tivesse agido com ausência de dolo ou culpa, em relação ao resultado do crime.
Vale dizer que se eventualmente for praticado um delito em determinada instituição, privada ou não, será responsabilizado o agente que de fato contribuiu para a prática delitiva, o que poderá ter se dado na forma comissiva (realizando uma ação) ou omissiva (deixando de realizar determinada ação).
Contudo, como já mencionado, em razão da complexibilidade de determinadas práticas delitivas, nem sempre é possível indicar quem foi o efetivo autor do crime e quais as condutas que ele de fato cometeu, fazendo com que, muitas vezes, o órgão acusatório acabe propondo ação penal sem individualizar a conduta[2] de cada acusado, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, gerando eventualmente uma responsabilidade penal sem nexo de causalidade (ligação entre o autor e a conduta) e de forma objetiva o que, como já observamos, em regra não é permitido em sede de Direito Penal.
Atualmente, visando evitar determinadas condutas que infrinjam às diversas legislações que norteiam as operações das empresas, minimizando assim os riscos de uma reponsabilidade penal, cada vez mais são procurados instrumentos preventivos para assegurar que nada fuja ao crivo das Autoridades regulamentadoras. Desta forma, e para tal fim, as instituições têm buscado e muitas vezes instituído o Instituto do Compliance em suas empresas.
Dito de forma singela, o Compliance consiste na adoção de um procedimento preventivo para assegurar que a empresa, isto é, cada um de seus funcionários, observe à risca o cumprimento das normas e legislações aplicáveis ao respectivo seguimento.
Assim, considerando a complexidade das legislações regulamentadoras para as mais diferentes atividades, as empresas estão buscando implementar setores voltados exclusivamente a assegurar que as regras a elas impostas sejam cumpridas, evitando-se que existam problemas jurídicos ou mesmo uma exposição negativa da imagem da empresa.
O compliance varia de acordo com a operação da empresa, podendo ser mais ou menos complexo, mas sempre efetivo a fim de assegurar que haja total consonância entre a norma regulamentadora e os atos praticados pelas empresas e seus executivos.
E o compliance penal, forma de compliance mais procurada pelas empresas atualmente, assegura que haja uma interpretação sistêmica de todas as normas, administrativas ou não a fim de verificar preventivamente, direta ou indiretamente, se a interpretação no cumprimento de determinada norma, mesmo que culposamente, possa resultar em eventual infração penal e consequentemente responsabilidade criminal aos envolvidos.
Ou seja, considerando que ninguém pode se escusar de cumprir a lei, alegando que não a conhece (artigo 3º do Decreto Lei nº 4.657/1942), faz-se necessário identificar todo o mecanismo jurídico aplicável à operação da empresa, evitando-se eventuais e indesejadas reprimendas penais.
O compliance penal também objetiva demonstrar e vincular cada funcionário dando conta de que a sua atuação e observância aos procedimentos internos são de extrema importância, pois poderão responder por seus próprios atos caso não observados os regimentos adotados pela empresa, blindando, de certo modo, aos executivos que não raro são envolvidos em investigações e ações penais pelo simples fato de figurarem no contrato social.
Em última análise, a efetiva implantação e observância das normas por meio do compliance, além de evitar a prática de delitos, com certeza reduz a exposição negativa da marca da empresa perante o mercado e a própria sociedade, e assegura que seus dirigentes e executivos se protejam de eventual responsabilização penal.
[1] A responsabilidade penal objetiva pode ser atribuída às pessoas jurídicas que supostamente cometeram crimes ambientais, independente da indicação de pessoa física no polo passivo da ação penal (RE 548.181, Primeira Turma, DJe 29/10/2014).
[2] A denúncia que é oferecida sem a individualização pormenorizada dos supostos atos praticados pelos acusados deve ser rejeitada nos termos do artigo 395, inciso I do Código de Processo Penal.
Maurício Faria, Wagner Carvalho e Guilherme Sampaio
Faria e Faria Advogados Associados
www.fariaefaria.adv.br
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