AS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DO PIS E DA COFINS EM FACE DO §12º DO ART. 195 DA CRFB/88.

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1. Introdução “Com favor da minha inspiração, os príncipes descansam tranqüilos sobre o seu destino e sobre os seus ministros, vivendo na ociosidade e só mantendo relações com pessoas que possam contribuir para diverti-los de qualquer aflição ou aborrecimento. Acham eles que cumprem os deveres de um bom rei divertindo-se diariamente nas caçadas, vendendo em benefício próprio os cargos e empregos, servindo-se de expedientes pecuniários para devorar as energias do povo e engordar à custa do sangue dos escravos. Não se pode negar que usem de cautela na aplicação dos impostos, pois alegam sempre títulos de necessidade, pretextos de urgência,e, embora essas exações não passem no fundo de mera ladroeira, esforçam-se, todavia, por encobri-las com o véu do interesse público, da justiça e da equidade. Dirigem ao povo belas palavras, chamando de bons, fiéis, afeiçoadíssimos os seus súditos , e, enquanto furtam com uma das mãos, acariciam com a outra, prevenindo assim seus lamentos e acostumando-os, aos poucos, a suportar o jugo da tirania.” ( Elogio da Loucura, Erasmo de Rotterdam, Editora Martin Claret, ed. 2000, págs. 91/92).

Muito se escreve e se descreve, se copia e se anota sobre tributação, há bibliotecas inteiras para dizer que sim sobre algo e para dizer que não sobre a mesma coisa, mas uma verdade deve ser dita, sem milongas e delongas, sem pudor de ser verdadeiro e sem sequer ficar melindrado com o que se vai dizer, qual seja: é certo afirmar que o Rei sempre quis os privilégios e o povo sempre foi um mero títere na mão do poder. Pouco importa o sistema econômico ou o sistema de governo, o poder altera a capacidade de discernimento do ser humano, cujo reflexo dessa miopia recai diretamente em Estados cuja tributação é vista como o único meio encontrado para realizar receitas e atender todas as necessidades a ele atribuídas.

Em todos os países civilizados, o tributo, antes de ser apenas um instrumento de financiamento do Estado, é um instrumento de promoção de justiça social. Aqui, acontece o inverso. Essa sanha arrecadadora da União está desafiando a cidadania. A nossa Inconfidência, primeira tentativa de libertação da situação de colônia, surgiu de uma revolta contra impostos injustos. A independência norte-americana foi uma revolta contra a tributação exagerada que lhe tentou impor a metrópole inglesa. Aliás, foi um princípio inglês, “no taxation without representation” (nenhum tributo sem prévia aprovação legislativa), que motivou os colonos revolucionários. E na própria Inglaterra, onde o princípio foi estabelecido, ele constitui pedra angular da Carta de Direitos.

O fato de sermos, historicamente, uma sociedade organizada por um Estado, e não um Estado organizado por uma sociedade, nos torna tradicionalmente dóceis às investidas tributárias do Estado. Porquanto, a partir da Constituição de 1988, as contribuições para o PIS e para a COFINS ganharam relevante expressão para fins arrecadatórios. Na fase mais recente das referidas contribuições, encontramos a criação do regime da não-cumulatividade que se deu através das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, com as alterações feitas pela Lei nº 10.865/04, modificando os requisitos de apuração da base de cálculo das receitas e faturamentos das pessoas jurídicas. Saliente-se que a não-cumulatividade das contribuições sociais ganhou contorno constitucional em face da Emenda Constitucional nº 42/2003.

Nesse passo, o presente estudo tem por escopo analisar, sem o propósito de esgotar o tema, as seguintes questões: se o dispositivo inserido pela EC 42/03 trata-se de um princípio ou uma regra; se a não-cumulatividade prevista no § 12 do artigo 195 tem similaridade com a não-cumulatividade nos artigos 153, IV, § 3°, II, e 155, II, § 2°, inciso I , em relação ao ICMS e IPI; se há conflito entre a norma decorrente da Constituição e a construída a partir da análise da legislação infraconstitucional que instituiu o PIS e a COFINS não-cumulativos.

2. Da Não-cumulatividade na Constituição.

A Constituição Federal faz menção ao instituto da não-cumulatividade nos artigos 153, IV, § 3°, II, e 155, II, § 2°, inciso I ,em relação ao ICMS e IPI, sendo que, com a edição da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, agregaram-se ao art. 195 os §§ 12 e 13, elevando o regime geral da não-cumulatividade à condição de direito constitucional a não-cumulatividade que tenham como fato gerador a base de cálculo receita ou faturamento, aplicando-se, inclusive, na hipótese de eventual substituição da contribuição sobre folha de salários, desde que a substitutiva mantenha os mesmos pressuposto[1].

Porquanto, a partir desses preceitos, poderíamos perguntar: trata-se a não-cumulatividade de princípio ou regra?

Responder a tal indagação não é uma questão muito fácil ou se fácil fosse, com certeza a doutrina não se dividiria.

Marco Aurélio Greco em palestra ministrada no XII Simpósio do IET – Instituto de Estudos Tributários, realizada na PUCRS, afirmou: “Uma dúvida, uma questão tem sido levantada com relação à não-cumulatividade: seria ela um princípio tributário? Não, na minha opinião, não. Ao contrário. Não-cumulatividade é uma mera técnica. É técnica para determinação do valor a recolher por um determinado contribuinte. Princípio supõe a incorporação de algum valor constitucionalmente protegido, ou a disciplina e a regulação de um determinado fim a ser obtido. Isso é princípio. O princípio diz respeito a valores e fins e não a modos de cálculo e apuração do montante a ser recolhido. Portanto, já fixo um parâmetro de discussão. Para mim, não-cumulatividade não é princípio constitucional tributário de nenhum imposto e, muito menos, cláusula pétrea, por que, às vezes, aparecem posições defendidas, no debate tributário, dizendo que não-cumulatividade é um direito fundamental do contribuinte. Não é. Nunca foi. A não-cumulatividade é meramente uma técnica para apurar o montante a ser recolhido determinado tributo.[2] Hugo de Brito Machado entende que a “ não-cumulatividade pode ser vista como princípio, e também como técnica. É um princípio, quando enunciada de forma genérica, como está na Constituição no dispositivo que se reporta ao IPI dizendo que esse imposto “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.” Ou como está no dispositivo que se reporta ao ICMS dizendo que esse imposto “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.” Em tais enunciados, embora já esteja de certa forma definido o que se deva entender por não-cumulatividade, não se estabelece exaustivamente o modo pelo qual esta será efetivada. Não se estabelece a técnica. Tem-se simplesmente o princípio. A técnica da não-cumulatividade, a seu turno, é o modo pelo qual se realiza o princípio. Técnica é “maneira ou habilidade especial de executar algo.” Assim, a técnica da não cumulatividade é o modo pelo qual se executa, ou se efetiva o princípio. Para bem entender-se a diferença entre o princípio e a técnica pode-se invocar a distinção que os processualistas fazem entre processo e procedimento. O primeiro é o conjunto de atos tendentes a um determinado fim. O segundo é o modo pelo qual tais atos são praticados, e se relacionam, para compor o processo. A técnica, portanto, é que define o regime jurídico do princípio da não-cumulatividade do imposto, regime jurídico este que se define em duas espécies, a saber, o regime do crédito financeiro e o regime do crédito físico, ou ainda por uma terceira espécie, na qual são albergados elementos de um e do outro daqueles dois regimes jurídicos[3].

Para José Eduardo Soares de Melo a não-cumulatividade qualifica-se como um princípio constitucional, eis que não se trata de simples técnica de apuração de valores tributários, ou mera proposta didática, mas diretriz constitucional imperativa, sendo obrigatória para os destinatários normativos (poderes públicos e particulares)[4].

Com relação ao entendimento do que seja princípio, registramos a definição proposta por HUMBERTO ÁVILA: “Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.”[5]

Porquanto, a não-cumulatividade pode ser vista como um princípio na medida em que visa atingir o estado ideal de coisas a ser promovido, uma vez que sua diretriz inspira afastar o desvirtuamento da manifestação de capacidade contributiva para incidência da tributação sobre fatos ou circunstâncias que não importam em fatos signos presuntivos de riquezas na lição de Alfredo Augusto Becker[6], cujo efeito é evitar a incidência de tributo sobre tributo.

Não obstante ser considerada um princípio, a não-cumulatividade pode ser vista como uma regra, eis que, isoladamente considerada, não é um princípio propriamente dito, ao menos não no sentido tradicional de seu conceito, mas um limite-objetivo.

Nessa linha, tem-se que o limite objetivo nada mais é do que uma regra que visa implementar um valor maior, qual seja, o princípio. Como bem esclarece Paulo de Barros Carvalho, “os limites objetivos são postos para atingir certas metas, certos fins. Estes sim, assumem o porte de valores. Aqueles limites não são valores, se considerarmos em si mesmos, mas voltam-se para realizar valores, de forma indireta, mediata’[7].

HUMBERTO ÁVILA entende que “[a]s regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos[8].

Diante do contexto das considerações doutrinárias, podemos afirmar que a não-cumulatividade é um princípio, mesmo contendo de forma ínsita uma regra de tributação, mas nem por isso desnatura sua condição de princípio, eis que se trata de uma diretriz constitucional imperativa, sendo obrigatória para os destinatários normativos[9].

3. A não-cumulatividade prevista no § 12 do art. 195 da CRFB/88, manifesta um princípio ou uma regra?

Dispõe o parágrafo 12º do art. 195 da Constituição da República Federativa do Brasil, nos seguintes termos: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: b) a receita ou o faturamento; IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. Procedendo-se uma análise da referida norma constitucional, podemos verificar que ela dispõe que, para determinados setores de atividades econômicas, especificados pelo legislador, a instituição e exigência do PIS e da COFINS será “não-cumulativo”. Portanto, a diretriz do § 12 do artigo 195 da CRFB/88, é o fundamento de validade da não-cumulatividade para contribuições que incidem sobre a receita ou o faturamento tais como o PIS e a Cofins. Denota-se que em face da inserção desse singelo fragmento normativo[10], restou manifestado pelo legislador constitucional derivado uma obrigação de o legislador ordinário instituir a cobrança de contribuições de maneira não-cumulativa, sem descrever a forma como ela se dará. Com efeito, o legislador constitucional procurou com a adoção da não-cumulativadade das contribuições, em especial, para o PIS e a Cofins, afastar a tributação sobre aquilo que não corresponde um fato signo presuntivo de riqueza, deixando, de certa forma, livre o legislador ordinário para criar um modelo de não-cumulatividade. Assim, diferentemente do IPI e do ICMS, como não há um detalhamento do funcionamento da diretriz constitucional da não-cumulatividade para o PIS e a COFINS, sua implementação pelo legislador ordinário deverá se harmonizar com os princípios da legalidade, da vedação do confisco, da capacidade contributiva, dentre outros, o que nos leva a concluir que se trata de um princípio e não de uma regra. Cumpre registrar que, mesmo que houvesse a previsão descritiva da forma que se daria sua concretização, como é o caso do IPI e do ICMS, de qualquer sorte estaríamos diante de uma diretriz constitucional.

4. A não-cumulatividade prevista no art. 155, § 2º, inciso I da CRFB/88 e a não-cumulatividade instituída pela EC 42/2003, art. 195, § 12, se estabelecem da mesma forma?

A Constituição Federal, num primeiro momento, faz menção ao instituto da não-cumulatividade nos artigos 153, IV, § 3°, II, e 155, II, § 2°, inciso I, relativamente ao ICMS e IPI. A partir da Emenda Constitucional nº 42/2003, sobreveio a não-cumulatividade das contribuições. Os artigos que fazem menção a não-cumulatividade do ICMS e IPI denotam a existência de um comando constitucional que possui eficácia plena e imediata, o qual deve ser observado pelo legislador infraconstitucional.

O regime da não-cumulatividade do tributo é característica própria de impostos indiretos[11] e plurifásicos. Como tais entendemos aqueles que admitem a transferência do ônus fiscal, através das diversas fases da circulação econômica de bens, produtos e serviços, desde o produtor/prestador até o consumidor, etapa em que se esgota a circulação econômica. Impostos indiretos são, por excelência, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, de acordo com a Constituição de 1988, o regime da não-cumulatividade de ambos os tributos funciona mediante a apuração de créditos compensáveis na escrita fiscal do contribuinte.

Em princípio, o crédito escritural de uma operação ou prestação somente é compensável, se a operação ou prestação posterior for tributada pelo imposto, caso em que o valor cobrado na operação ou prestação anterior é compensado com o devido na operação ou prestação posterior. Por natureza e definição, o PIS e Cofins não são impostos indiretos. São tributos da espécie contribuições que incidem diretamente sobre as receitas brutas e o faturamento da venda de bens e serviços das pessoas jurídicas. Ora, se a base de cálculo do PIS e Cofins são representadas pelo faturamento ou pela receita bruta, difícil de conceber que esses conceitos possam contemplar operações e prestações geradoras de créditos compensáveis, ou seja, créditos resultantes da aplicação do princípio da não-cumulatividade, pois a circulação econômica e as fases através das quais ela se processa são situações alheias ao regime de tributação dessas contribuições.

Todavia, entendeu o legislador constituinte que o PIS e a Cofins podiam ser compensáveis e o fez através da Emenda Constitucional 42/03. Assim, instaurou-se um regime sui generis de compensação dos créditos do PIS e da Cofins, respectivamente, por meio das Leis 10.637/02 e 10.833/03. Nesse passo, poderíamos designar a não-cumulatividade do PIS e da Cofins de sui generis, porque, diferentemente do que ocorre com o ICMS e o IPI, ela não opera mediante a compensação de valores incidentes em etapas anteriores da circulação de mercadorias e produtos com aqueles devidos nas operações e prestações subseqüentes.

A não-cumulatividade do PIS e da Cofins é calculada após apuração do valor das contribuições com aplicação das respectivas alíquotas. Desse valor são descontados créditos correspondentes às despesas incorridas no mês, com a produção de bens e prestação de serviços integrantes do faturamento, ou da receita bruta da empresa.

A sistemática da não-cumulatividade concebida para o IPI e o ICMS possui como finalidade a neutralização da incidência em cascata, através da técnica de compensação de débitos com créditos.

O critério quantitativo do PIS e da COFINS está ligado à “totalidade das receitas auferidas”, fenômeno este relacionado à pessoa do contribuinte (leia-se pessoa jurídica), não possuindo qualquer identidade com algum fenômeno circulatório, traço característico originário do IPI e do ICMS. Com efeito, não há condições de se estabelecer uma sistemática de não-cumulatividade similar àquela aplicável ao IPI e ao ICMS, até porque o pressuposto de fato é diferente, mas sua função é a mesma, qual seja, em especial, neutralizar a cumulatividade.

Nessa linha, trouxemos as lições de Marco Aurélio Greco ao afirmar que “[e]mbora a não-cumulatividade seja uma idéia comum a IPI e a PIS/COFINS, a diferença de pressuposto de fato (produto industrializado versus receita) faz com que assuma dimensão e perfil distintos[12].

Como alhures já dito, o cerne da questão é que o regime não-cumulativo da base de cálculo das contribuições em exame é distinto do modelo de não-cumulatividade do IPI e do ICMS, mas a sua função primordial é evitar o “efeito cascata” da tributação, que independe da materialidade da espécie tributária sujeita sob esta sistemática, encontrando-se com relação a este aspecto confluência comum.

No caso do IPI e ICMS, a Constituição emprega o símbolo “compensando-se”, como forma de identificar a sistemática da não-cumulatividade para estes impostos, sendo que, muito embora omissa quanto à forma de concretização da não-cumulatividade para o PIS e a COFINS, por ser, em nosso sentir, um princípio que norteia o sistema tributário, não suprime ou aniquila a sua finalidade pelo fato de não estar descrito a forma de sua concretização. Nesse mote, a não-cumulatividade da contribuição ao PIS e a COFIN teve em mente incentivar determinadas atividades econômicas e desonerar os efeitos da incidência sobre o faturamento. Se o objetivo da não-cumulatividade estabelecida para as contribuições em estudo foi à diminuição da tributação sobre o faturamento, certamente o legislador infraconstitucional deverá obedecer rigorosamente este princípio nos casos definidos em lei.

5. A não-cumulatividade posta nas Leis n° 10.637/02 e 10.833/03 do PIS/COFINS concretiza a não-cumulatividade prevista na norma constitucional?

Feitas as considerações anteriores, passemos ao exame da não-cumulatividade instituída pelo legislador ordinário. Consoante dispõe os artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 10.637/02, para o PIS, e os artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 10.833/03, para a Cofins, com suas respectivas alterações, a hipótese de incidência desses tributos é auferir receita, cuja base de cálculo é a receita auferida, sobre qual incidirá uma alíquota de 1,65% para o PIS e 7,6% para a Cofins. Convém registrar que não serão objetos deste estudo as exceções previstas na legislação.

De plano, podemos notar que a legislação supra mencionada que regrou a não-cumulatividade, aumentou a alíquota do PIS de 0,65% para 1,65% e a da COFINS de 3% para 7,6%, em que o contribuinte tem o direito de descontar créditos incidentes sobre os bens e serviços adquiridos para fins de apuração do valor a recolher. O valor do crédito será apurado mediante a aplicação das alíquotas das referidas contribuições sobre o montante daqueles itens previstos na legislação.

Ocorre, porém, que esses créditos autorizados pela legislação são relativos e parciais, fazendo com que a não-cumulatividade não atinja a sua concretude plena, o que implica em verdadeiro aumento da carga tributária para determinados contribuintes.

De fato, para alguns contribuintes a exclusão destes do regime não-cumulativo foi benéfica, enquanto outros contribuintes sujeitos a esta nova sistemática foram severamente penalizados, eis que as atividades destes não permitem a geração de créditos suficientes para neutralizar a majoração das alíquotas aplicadas pelas Leis n°s 10.637/02 e 10.833/03. Além disso, a novel legislação beneficiou poucos segmentos econômicos, em detrimento de outros, que ficaram sujeitos ao brutal aumento das alíquotas, em clara ofensa a inúmeros princípios, em especial o da isonomia tributária.

A sistemática da não-cumulatividade da COFINS e da contribuição ao PIS, como forma de neutralizar os efeitos maléficos da sua incidência em cascata, está aquém da esperada diminuição e racionalização da tributação. O aumento das alíquotas do PIS (1,65%) e da COFINS (7,6%), combinado com as várias restrições ao crédito pelas Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, provocaram um efetivo aumento da carga tributária para praticamente todos os contribuintes sujeitos à nova sistemática. E o que é pior, a sistemática em estudo não coaduna com o propósito da incidência não-cumulativa, que é evitar a incidência em cascata.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar a apelação n. 2004.71.08.010633-8/RS em 10/03/2007, cujo acórdão foi publicado em 26/04/2007, ao analisar litígio onde um contribuinte que ficou sujeito às Leis 10.637/02 e 10.833/03 por estar enquadrado no regime de apuração do IR pelo lucro real, obteve seu direito a manter sua tributação na forma da Lei 9.718/98, em razão de que houve mero aumento de alíquota em face de tratamento discriminatório perante as demais empresas do mesmo setor de atividade econômica, uma vez que se setor não reveste operações sucessivas de incidência de PIS e COFINS, permitindo-se transcrever excerto do voto do Juiz Federal Leandro Paulsen: No caso, a questão não é de inconstitucionalidade em tese das leis que estabeleceram os regimes não-cumulativos do PIS e da COFINS, quais seja, as Leis 10.637/02 e 10.833/03.

Diz respeito, isso sim, aos efeitos perversos que a aplicação de tal regime assume em concreto, relativamente à Autora, desafiando a aplicação de princípios explícitos, como a isonomia e a livre concorrência, e implícitos, como a capacidade contributiva e a razoabilidade. Pretendesse o legislador simplesmente aumentar as contribuições sobre o faturamento/receita, teria elevado as alíquotas anteriormente estabelecidas pelo art. 1º da MP 2.158-3/01 (0,65%) e pelo art. 8º da Lei 9.718/98 (3%).

Não foi esta, contudo, a intenção. O estabelecimento dos regimes não-cumulativos visou, isto sim, a melhor distribuir a carga tributária ao longo da cadeia econômica de produção e comercialização de cada produto. Daí a elevação da alíquota associada à possibilidade de apuração de créditos compensáveis para a apuração do valor efetivamente devido. No caso específico da Autora, porém, que tem por objetivo social a prestação de serviços de limpeza e conservação, recrutamento e treinamento de recursos humanos e administração de condomínios, a submissão ao novo regime não-cumulativo implicou um aumento de mais de 100% no ônus tributário decorrente da incidência do PIS e da COFINS. Vê-se, da apelação, quadro inserido às fls. 142/143 demonstrando que, num mesmo mês, pelo regime não-cumulativo, aplicada a alíquota e deduzido o crédito apurado, o montante devido seria de R$ 142.496,24 (R$ 177.448,99 – R$ 34.952,76), enquanto que, pelo regime comum, o montante devido seria de R$ 70.045,66, a mesma discrepância se repetindo, com ainda maior intensidade, em outras competências.

Isso porque, como empresa prestadora de serviços, os créditos que pode apurar não são significativos. Efetivamente, não se trata de produto que se sujeite a uma cadeia econômica de diversas etapas, em que a alíquota elevada do regime não-cumulativo se dilua.

O acréscimo do ônus tributário, pois, não corresponde à capacidade contributiva da Autora, que não teve alteração Implica, ainda, tratamento desigual que não se justifica.

De fato, implica tratamento mais oneroso relativamente aos demais contribuintes, sujeitos ou ao regime comum ou ao regime não-cumulativo em atividade econômica em que a apuração de créditos é significativa. O critério de discriminação (regime de tributação pelo Imposto de Renda, se pelo lucro real ou não), no caso concreto, mostra-se falho e incapaz de levar ao resultado pretendido de distribuição do ônus tributário ao longo de uma cadeia de produção e circulação.

Aliás, a própria função do regime não-cumulativo fica comprometida, evidenciando que a sua aplicação no caso não passa por um juízo de razoabilidade.

Por fim, também cria obstáculos à livre concorrência, porquanto empresas dedicadas à mesma atividade que a Autora continuam submetidas ao regime comum, não tendo sido oneradas pelo advento do regime não-cumulativo. Tenho, pois, que sujeição obrigatória da Autora aos regimes não-cumulativos do PIS e da COFINS implica ofensa aos princípios da capacidade contributiva, da isonomia, da razoabilidade e da livre concorrência. Tem a Autora, assim, direito a permanecer vinculada ao regime comum (cumulativo) do PIS e da COFINS e, nos termos dos arts. 170 do CTN e 74 da Lei 9.430/96 com suas alterações posteriores, de compensar os valores pagos a maior com outros tributos administrados pela SRF, com atualização pela SELIC, nos termos do art. 39 da Lei 9.250/96.

Consoante pode se dessumir do julgado, é que o discrímen adotado pelo legislador para definir quem ficaria no sistema antigo (cumulativo) e quem deveria migrar para o novo levou em conta, entre outras coisas, a forma de apuração do Imposto sobre a Renda, se lucro real ou presumido, consoante o quanto disposto no artigo 8º da Lei nº 10.637/02 e o artigo 10 da Lei nº 10.833/03, o que provocou uma desarmonia em face do quanto previsto no permissivo constitucional, possibilitando a instituição do novo sistema apenas a partir do signo diferenciador “setor da atividade econômica” – e a forma de apuração do Imposto sobre a Renda nada tem que ver com isso[13].

Dessarte, podemos deduzir que a anatomia da não-cumulatividade trouxe algumas patologias pontuais, como foi o caso concreto analisado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

6. Conclusões

Diante das considerações expostas, podemos concluir que: (i) a não-cumulatividade prevista no § 12 do art. 195 da CRFB pela Emenda Constitucional n. 42/2003 deve ser vista como princípio, pois estamos diante de uma diretriz constitucional, na medida em que ela busca evitar a tributação cumulativa, bem como a obrigação de evitá-la para aqueles setores de atividade econômica em que são realizadas diversas operações, com a incidência sucessiva de PIS e COFINS em cada etapa; (ii) o regime não-cumulativo da base de cálculo das contribuições PIS e Cofins é distinto do modelo de não-cumulatividade do IPI e do ICMS, mas a sua função primordial é evitar o “efeito cascata” da tributação, que independe da materialidade da espécie tributária sujeita sob esta sistemática, encontrando-se, neste ponto, confluência entre ambos regimes; (iii) as Leis 10.637/02 e 10.833/03 instituíram tratamento distinto entre contribuintes que integram o mesmo setor de atividade econômica, acarretando a violação ao princípio constitucional da igualdade tributária ao fixar tratamento distinto entre situações equivalentes, fato este que observado na prática, notadamente, em face do julgamento da apelação n. 2004.71.08.010633-8/RS em 10/03/2007 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Referências Bibliográficas

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[1] TORRES,Heleno Taveira. Monofasia e Não-Cumulatividade das Contribuições ao PIS e à COFINS no Setor de Petróleo (Refinarias), in Não-Cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS, Coordenador: Leandro Paulsen, 1ª ed., IOB – THOMSON, págs. 31-32.

[2] XII Simpósio do IET- “A Não-Cumulatividade das Contribuições COFINS/PIS – Palestrante: Marco Aurério Greco/SP. Revista de Estudos Tributários nº 41, Ed. Síntese págs. 126-127.

[3] MACHADO, Hugo de Brito. Virtudes e Defeitos da Não-Cumulatividade do Tributo no Sistema Tributário Brasileiro., in Fundamentos do Pis e da Cofins e o regime jurídico da não-cumulatividade. Coordenadores: Samuel Carvalho Gaudêncio e Marcelo Magalhães Peixoto. APET. MP Editora págs. 217-218.

[4] SOARES DE MELO, José Eduardo. Não-Cumulatividade das Contribuições PIS/COFINS in Não-Cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS, Coordenador: Leandro Paulsen, 1ª ed., IOB – THOMSON, pág. 52.

[5] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003, p.119.

[6] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998.

[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.146.

[8] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003, p.119.

[9] SOARES DE MELO, José Eduardo. Não-Cumulatividade das Contribuições PIS/COFINS in Não-Cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS, Coordenador: Leandro Paulsen, 1ª ed., IOB – THOMSON, pág. 52

[10] Loubet, Leonardo Furtado. Não-cumulatividade de PIS/COFINS e restrições de créditos na atividade rural. Coordenadores: Samuel Carvalho Gaudêncio e Marcelo Magalhães Peixoto. APET. MP Editora p.316.

[11] Leia-se, a propósito, Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, sobre a questão da classificação do tributo em direito e indireto, a saber (p. 158-159): “57. 1 É classificação que nada tem de jurídica: seu critério é puramente econômico. Foi elaborada pela ciência das finanças, a partir da observação do fenômeno econômico da translação ou da repercussão dos tributos. 57.2 Pode inclusive acontecer de um imposto qualificável como direto, numa dada conjuntura econômica, se transformar em indireto e vice-versa, sem que em nada se altere a lei e sem que modifique o sistema jurídico. 57.3 Esta classificação tem alguma importância nos sistemas nos quais há referência a essas características econômicas, e delas se faz decorrerem conseqüências jurídicas. 57.4 No Brasil, para os juristas, essa classificação é absolutamente irrelevante.”

[12] Greco, Marco Aurélio. Não-cumulatividade no PIS e na COFINS. in Não-Cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS, Coordenador: Leandro Paulsen, 1ª ed., IOB – THOMSON, pág. 109.

[13] Loubet, Leonardo Furtado. Não-cumulatividade de PIS/COFINS e restrições de créditos na atividade rural. Coordenadores: Samuel Carvalho Gaudêncio e Marcelo Magalhães Peixoto. APET. MP Editora p.324.

Autor: José Umberto Braccini Bastos
Escritório: Bastos e Vasconcellos Chaves Advogados Associados

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