Foi publicada no DOU de 9 de março de 2016 a Lei nº 13.257 de 08 de março de 2016, denominada “Marco Regulatório da Primeira Infância”. O objetivo da nova lei foi o de garantir proteção à infância, mais precisamente, estabelecer “princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano”.
Vamos tecer alguns comentários práticos no tocante a aspectos que afetam diretamente as relações de trabalho, em especial as novas hipóteses de faltas justificadas ao serviço e a possibilidade de prorrogação da licença-paternidade por mais quinze dias, para além dos cinco previstos em lei:
I – Novas hipóteses de faltas justificadas ao serviço
Dentre as disposições constantes da nova lei, destacamos, por primeiro, o art. 37, que altera a redação do art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que passa a vigorar acrescido dos incisos X e XI. Ditas inserções geram efeitos imediatos e independem de qualquer outra regulamentação.
Com relação à hipótese do inciso X, do art. 473 da CLT, o empregado poderá deixar de comparecer ao serviço por até dois dias, sem prejuízo do seu salário, para o acompanhamento de sua mulher ou companheira durante a gravidez desta, situação considerada agora como faltas justificadas ao serviço. Já pelo inciso XI do mesmo artigo, o empregado poderá ausentar-se do serviço por um dia ao ano, para acompanhar filho de até 6 anos em consulta médica.
Essas duas situações não estavam contempladas em legislação como faltas justificadas ao serviço, embora pudesse existir disposição da mesma natureza em convenções e acordos coletivos de trabalho, ou até mesmo decisões judiciais que outorgassem à empregada o direito de acompanhar filhos menores em consultas médicas, sem prejuízo ao seus salários, antecipando a evolução legislativa sobre o tema.
Embora a lei não faça referência expressa, interpretamos que, na primeira hipótese – acompanhamento do empregado à mulher ou companheira em consultas e exames complementares – as ausências justificadas serão consideradas tanto por episódio, como por duração. Nessa linha, a ausência do empregado poderá perdurar por até dois dias consecutivos, caso se trate, por exemplo, de consulta médica em um dia, seguida de exame médico complementar no dia subsequente, perfazendo, assim, dois dias seguidos de ausência justificada. Poderão ocorrer, também, consultas médicas em dois dias consecutivos, quando ambas deverão ser consideradas justificadas.
Em outra situação, poderá haver, por exemplo, ausência do empregado em dois dias diferentes para acompanhamento em consulta médica de sua mulher grávida, perfazendo o limite de ausência justificada durante a gravidez; nada impede, também, que os dois dias autorizados correspondam somente a dias de acompanhamento da mulher ou companheira do empregado quando dos exames complementares, esgotando-se, dessa forma, os dois dias de faltas justificadas.
De qualquer forma, em todas essas hipóteses, o direito às ausências justificadas ao serviço do marido ou companheiro por acompanhamento de sua mulher ou companheira grávida em consulta médica ou exames médicos, estará limitado a apenas dois dias, em todo o período que vai do conhecimento da gravidez até o nascimento da criança. Regras a respeito, mais benéficas, poderão ser estabelecidas em instrumentos normativos (acordos e convenções coletivas de trabalho), ou em regulamentos internos das empresas, cabendo aos sindicatos profissionais a busca dessa evolução.
É claro que, tratando-se de falta ao serviço a ser justificada, o empregado deverá, para tanto, apresentar ao empregador o competente atestado relativo ao acompanhamento à mulher ou ao filho na consulta ou ao exame, revestido das formalidades de praxe, com especificação e registro do dia e mês do atendimento, bem como assinatura, identificação e número no CRM do médico responsável.
É de destacar, também, que a expressão “empregado” referido no “caput” do art. 473 da CLT, alcança não só o empregado do sexo masculino, como do sexo feminino. Assim, as demais disposições lá contidas dizem respeito tanto ao empregado como à empregada.
Mas, em relação ao inciso X, do art. 473 da CLT, o dispositivo é claro ao dispor que o benefício alcança tão somente o empregado do sexo masculino, casado com pessoa do sexo feminino, já que a lei refere, expressamente, “gravidez de sua esposa ou companheira”. Entendemos que a lei, nesse particular, não deixou espaço textual interpretativo, de forma a estender o benefício à mulher empregada que conviva ou esteja civilmente casada com outra mulher e que venha a engravidar por qualquer método. Mas, não se descarta a hipótese de, na aplicação da lei, esses temas evoluírem para outras interpretações que resultem em jurisprudência mais flexível.
Já em relação ao acompanhamento de filho menor de seis anos em consulta médica, sem sombra de dúvidas, o benefício da ausência justificada prevista no inciso XI alcança tanto empregados como empregadas, até com mais ênfase as empregadas, posto que, tradicionalmente, sempre coube, preferencialmente, à mãe dar esse atendimento à criança nessas situações, muito embora, atualmente, dita tarefa possa e deva ser compartilhada entre pais e mães.
Aliás, mesmo antes da nova lei, a jurisprudência já apontava como falta justificada o acompanhamento do filho em atendimento médico, pela empregada, considerando a incidência do art. 227 da Constituição Federal, conforme ementa que ora se transcreve:
“DESCONTO NO SALÁRIO – FALTA JUSTIFICADA – ATESTADO DE ACOMPANHAMENTO DE FILHO MENOR – DEVOLUÇÃO DOS VALORES – OBRIGATORIEDADE – “Ausência ao trabalho para acompanhamento de filho menor à consulta médica. Devolução de descontos. O art. 473 da CLT, não inclui dentre as ausências justificadas ali previstas as decorrentes de acompanhamento do filho menor à consulta médica. Não obstante, deve ser assegurado à trabalhadora o salário dos dias de ausência por motivo de acompanhamento do filho menor em atendimento médico, com vistas à efetivação do direito fundamental do menor à saúde, previsto no art. 227 da Constituição Federal (Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão) e também no art. 4º, da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Trata-se de direito fundamental a ser garantido, obrigatoriamente e em caráter prioritário, por toda a sociedade. Tendo em conta essa garantia alcançada ao menor, imprescindível que se propicie à mãe (no caso) o direito de ausentar-se do trabalho para acompanhar o atendimento médico do filho menor, que se encontra com saúde debilitada, sem que seja essa penalizada com a perda do salário. Recurso do autor ao qual se dá provimento.” (TRT 09ª R. – Proc. 11738-2011-664-09-00-2 – (Ac. 55650-2012) – 3ª T. – Rel. Des. Archimedes Castro Campos Júnior – DJe 30.11.2012).
Finalmente, observe-se que algumas convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho poderão conter cláusulas em vigor, dessa mesma natureza, como já se referiu. Na ocorrência deste fato, entendemos que prevalecerão as situações mais benéficas aos empregados, sejam as do instrumento normativo, sejam as da nova lei, mas não caberá a cumulação de vantagens, se forem efetivamente benefícios da mesma natureza e desde que alcancem, no mínimo, o que a lei dispõe.
II – Prorrogação da licença-paternidade por mais 15 dias. Possibilidades e hipóteses.
Destacamos, também, o art. 38 da nova lei, que alterou a Lei nº 11.770, de 09 de setembro de 2008, que havia criado o Programa Empresa Cidadã. Referido dispositivo legal estabeleceu regras para prorrogar, por mais quinze dias, a normal duração da licença-paternidade que é de cinco dias, conforme estabelecido no ADCT da Constituição Federal.
A nova lei não estabeleceu qualquer obrigatoriedade adicional ao empregador não participante do Programa “Empresa Cidadã” previsto na Lei nº 11.770/08, mas sim, apenas possibilitou a extensão da licença-paternidade por mais quinze dias, ao empregado do sexo masculino, num total de vinte dias (cinco obrigatórios, com prorrogação de mais quinze), desde que o empregador tenha aderido ao programa.
Tal como ocorria já em relação à prorrogação da licença-maternidade, o Programa “Empresa Cidadã” autoriza as empresas participantes, que tem tributação sobre o lucro real (e apenas estas), a deduzirem dos impostos federais o valor total da remuneração decorrente da prorrogação por quinze dias da licença-paternidade, prevista na ADCT da Constituição Federal, que é de apenas cinco dias.
Continua sendo não obrigatória a participação das empresas no Programa Empresa Cidadã, a não ser que a obrigação esteja estabelecida, expressamente, em convenção ou acordo coletivo de trabalho que beneficie a categoria profissional do empregado ou da empregada.
Ressalte-se, também, que empresas que tem tributação por lucro presumido ou inseridas no simples nacional não se beneficiarão da referida dedução, caso adotem espontaneamente essa prorrogação da licença-paternidade. Nessa hipótese, serão elas responsáveis pelo pagamento da remuneração, sem qualquer dedução de impostos.
Portanto, trata-se de mera faculdade do empregador e do empregado, com a condição básica de a empresa estar inserida no Programa referido. Para beneficiar-se da prorrogação da licença-paternidade, o empregado deverá requerê-la no prazo dois dias úteis após o parto e comprovar sua participação em “programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável”. A nova lei não define o conteúdo de tal programa ou atividade; por isso entendemos que o tema deverá ser, ainda, regulamentado.
Aliás, as novas regras relativas à licença-paternidade só terão vigência plena com a aprovação do Orçamento da União, possivelmente em 2017, conforme prevê a nova lei em seus artigos 38, 39 e 40, como se verá adiante.
Uma vez regulamentado o dispositivo legal e atendidas as regras acima, o empregado fará jus à remuneração integral do período de afastamento – vinte dias corridos – período em que não poderá exercer qualquer atividade remunerada, sujeito à pena de perder o direito à prorrogação em caso de desobediência à regra. A criança deverá ficar sob os cuidados do empregado, ou seja, não poderá ser mantida em creches ou sob responsabilidade de outras pessoas, mesmo parentes, ou qualquer instituição; a empresa participante, por sua vez, poderá deduzir do imposto devido o total da remuneração integral do empregado pago nos dias de prorrogação de sua licença-paternidade, vedada a dedução como despesa operacional.
O benefício referido é extensível aos pais adotantes, ou aos empregados que obtiverem a guarda judicial para fins de adoção da criança, sendo que a prorrogação será garantida na mesma proporção ao empregado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança.
Há discussão sobre a situação das empresas tributadas pelo Lucro Real que já tenham aderido anteriormente ao Programa Empresa Cidadã. Pergunta-se se devem elas, obrigatoriamente, atender à legislação acima, em relação à prorrogação da licença-paternidade por mais quinze dias, na medida em que, quando se inscreveram não havia essa extensão de benefício em relação à licença-paternidade.
É certo que a lei não faz exceção, nem aponta a incidência apenas em relação a empresas que venham agora participar do Programa. Nessa linha, se o empregado requerer a prorrogação da licença na forma da lei, a empresa já participante do Programa estaria obrigada a aceitar as novas regras, também no tocante à licença-paternidade. Assim, pela leitura simples da lei, as quase dezenove mil empresas que aderiram ao Programa antes da alteração se veriam obrigadas à conceder a prorrogação de quinze dias na hipótese de licença-paternidade de seus empregados.
Ocorre que essa situação agrava a insegurança jurídica que costuma acompanhar atualmente as novas leis trabalhistas, pois parece ferir o princípio da irretroatividade da lei e o ato jurídico perfeito nos termos do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e do art. 6º, da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Nesse sentido, parece-nos que, inserir agora novas extensões de benefícios aos empregados, à lei original, e torna-las obrigatórias para a empresa que aderiu ao programa, mesmo considerando o benefício fiscal caracterizaria ofensa ao ato jurídico perfeito.
Além disso, se por exemplo, hipoteticamente, nova legislação estabelecesse que todas as mais de dezoito mil empresas participantes hoje do Programa Empresa Cidadã, se obrigam a reconhecer estabilidade no emprego por um ano a empregadas que venham a ser mães e empregados que venham a ser pais, estariam elas obrigadas a cumprir regras que não existiam quando da adesão ao programa? Evidentemente que seria questionável essa interpretação, razão pela qual entendemos não ser razoável essa extensão compulsória.
Esperamos que esse ponto venha a ser esclarecido por regulamentação competente, até porque falta definir o que constituirá a referida “participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável” e também cumprir o disposto sobre a Lei Orçamentária.
III – Vigência das novas regras para a Licença-Paternidade
Como já se referiu linhas atrás, nos termos da lei em exame, as novas regras relativas à licença-paternidade só terão vigência plena com a aprovação do Orçamento da União, conforme prevê a nova lei, uma vez que o artigo 40 dispõe isso expressamente, ao estabelecer textualmente que, “os artigos 38 e 39 desta Lei produzem efeitos a partir do primeiro dia do exercício subsequente àquele em que for implementado o disposto no art. 39”.
O art. 39 reza que “O Poder Executivo, com vistas ao cumprimento do disposto no inciso II do caput do art. 5º e nos arts. 12 e 14 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, estimará o montante da renúncia fiscal decorrente do disposto no art. 38 desta Lei e o incluirá no demonstrativo a que se refere o § 6º do art. 165 da Constituição Federal, que acompanhará o projeto de lei orçamentária cuja apresentação se der após decorridos 60 (sessenta) dias da publicação desta Lei.”
Nessa linha, a União ainda terá que estimar o montante da renúncia fiscal decorrente do disposto no art. 38, para inclusão no demonstrativo que acompanhará o Projeto de Lei Orçamentária, cuja apresentação se der após decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da Lei. Considerando que a aprovação e divulgação da Lei Orçamentária deste ano já ocorreu em 12 de fevereiro, o ato de estimativa referido só poderá ocorrer no demonstrativo da LDO referente ao ano de 2017.
IV – Possibilidade de cancelamento da adesão ao Programa Empresa Cidadã –
Cabe lembrar, por fim, que nenhuma empresa é obrigada a permanecer vinculada ao Programa “Empresa Cidadã”, caso conclua não ser interessante sujeitar-se às novas regras. Para colocar em prática o cancelamento dessa participação, recomendamos o acesso à Instrução Normativa RFB nº 1292, de 20 de setembro de 2012, que altera a RFB nº 991, de 21 de janeiro de 2010, para autorizar a empresa a cancelar, a qualquer tempo, sua adesão ao “Programa Empresa Cidadã”, o que pode ser levado a efeito junto ao “site” da Receita Federal do Brasil.
São essas as nossas primeiras impressões sobre a lei em foco.
Marco Antonio Aparecido de Lima Lima & Londero Advogados www.limaelondero.adv.br
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